Vazio Superpovoado
Toda sexta-feira o trio se encontrava naquele mesmo barzinho a fim de fazer relatos detalhados das catástrofes semanais, também para relembrar o veneno e a luz dos velhos tempos e principalmente para falar de coisas vívidas e mórbidas, carnais e assexuadas, densas e sentimentais.
Era assim há quinze anos, desde uma festa no colegial, em que Silvia flertou com Marcos, que se apaixonou por Laura, que vomitou em Silvia.
Silvia casou e descasou duas vezes, Marcos teve uma filha e enviuvou. Laura permaneceu solteira para não despertar o amadurecimento impróprio e doloroso, que às vezes ofusca a visão.
Mais do que um triângulo amoroso eram amigos incondicionais e atemporais, Clara, Gema e Casca; Pai, Filho e Espírito Santo; Cerveja, Cigarro e Doritos! Tudo o que permaneceria...
Naquela noite, a trindade profana discutia entusiasmadamente, debatendo ora Dostoievski ora Renato Russo, ora cafonices cotidianas,ora os efeitos da anfetamina, quando Marcos e Laura desembestaram a rir tresloucadamente, convenientemente desatinados, deixando a clara do ovo órfã de qualquer esclarecimento: Silvia fazia interrogações.
O que eles não conseguiam explicar a ela ainda não havia percebido é que um sujeito, sentado sozinho na mesa ao lado (aparentemente embriagado) piscava para os três como uma metralhadora, tentando colher um fruto na árvore do amor impreciso, na cegueira da palavra incerta, na não escolha encoberta.
O que viria a seguir era previsível, e, como um pequeno presente, enriquecimento inútil e desnecessário, que acrescentaria à existência algo de peculiar, suave e agradável, embora negasse a célula da imensidão:
Qualquer dia desses estariam sentados os quatro naquela mesma mesa, empoeirada e cheia de fumaça: o estranho-intruso-sedutor muito à vontade tombando o crânio moreno no torpor sardento do ombro de Silvia, que se manteria calma e fria como um lago, um lago submisso e sereno, onde mergulham alegremente, na mais graciosa insignificância – e na mais sonhadora imbecilidade – tantos peixinhos coloridos.
Tudo isso percebiam sem perceber. Enxergavam antes mesmo de visualizar, enquanto bebericavam mais um gole de cachaça, deixando aflorar no espírito a idéia da causa e do caos, o conceito da decomposição.
É que ela acharia graça por alguns instantes – meses talvez – esticando desesperadamente os olhos esverdeados e os dedos de pianista para agarrar com força a efemeridade esquiva da beleza.
E depois de tudo devidamente mastigado – absorvidos o conhecimento e da experimentação – mergulharia nba difusão de um sofrimento precipitado, na exaustão de uma paixão aborrecida, no tédio sem remédio que envolve as criaturas imensas quando submersas na mesmice alheia.
Desmontaria torre, o jardim e o jantar; e voltaria para a mesa com as asas enfraquecidas, e dissecaria, aos prantos, a estrutura da libertação.
E dormiria com os gatos para não acordar sozinha.
quarta-feira, 6 de maio de 2009
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009
Entre as lentes
Das tuas estranhas entranhas
Pressinto o céu azul
E o tempo rastejante
(através da porta)
Entre os fios e meados
Da tua coragem
Miragem e vertigem
Embaixo do espelho
E através do tempo
O vento e a ferrugem
Na cor dos teus olhos
(vermelhos)
Minto o fragmento
Entre as latentes lentes
Dos teus passos curtos
Noturnos e lentos
Firmes e pedantes.
Do lado de dentro
o vento ofegante
Das tuas estranhas entranhas
Pressinto o céu azul
E o tempo rastejante
(através da porta)
Entre os fios e meados
Da tua coragem
Miragem e vertigem
Embaixo do espelho
E através do tempo
O vento e a ferrugem
Na cor dos teus olhos
(vermelhos)
Minto o fragmento
Entre as latentes lentes
Dos teus passos curtos
Noturnos e lentos
Firmes e pedantes.
Do lado de dentro
o vento ofegante
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
O Homem Dourado
Uma desgarrada fatia de luz atravessava a janela do quarto e se inclinava sobre o colchão,coberto de travesseiros.Deserto de liberdades.Fluxo selvagem de corrosivas e risonhas mentiras.Fluxo e fluido.
A luz que vinha da sacada ia de encontro à nuca dela.Fazendo exteriorizar imperfeições da alma.Defeitos que,com tanto carinho,cultivara ao longo dos anos.E os traumas transtornantes de maliciosa euforia!
Abriu os olhos de gata ferida e moveu-se letárgica,na tentativa de reencontrar na própria pele cada palavra dita na noite anterior.Queimaduras explicitas de um passado muito recente.
Pequenos e fragmentados os instantes,pétalas de flor submersas na saliva.Delicados como uma pluma.Raras pérolas da vida,de beleza efêmera, flutuante e verdadeiramente vertiginosa.Despretensiosa.
Abraçou ao edredom com as unhas,com a força infecciosa que já não havia.Mordeu o lençol com paixão.Cheia de compaixão pela cama fria.
Atirado aos pés da cama,um homem bonito,dormindo pesado.Embriagado.Esfarelado de volúpia.E completamente desconhecido.
Sedentamente desfalecido,nessa aquarela surda e muda . Um homem dourado cintilando incansavelmente sob o miserável ventiladorzinho.
Um homem de cueca e meias rindo da dor da vulnerabilidade,enquanto adormecido de pura adoração.O espanto e o choque que a beleza causa.Que a beleza causa e cura.
Pensou em levantar e preparar-lhe um café . De todos os gestos,o mais invasivo,o mais obsceno!
Cogitou também a absoluta hipótese da negação:xispar com ele dali,aos berros e vassouradas,tão ofendida que estava,devorada de perplexidade!
Mas isso exigiria uma série de movimentos enérgicos,calafrios de raiva,tanta energia gasta presumidamente em vão.
Então abafou o soluço recém-aflorado e,passiva, atravessou a porta na ponta dos pés para não acordar a visita.
E tomou um banho gelado,seguido de chá e torradas,e foi secando ao vento a inércia dos cabelos – junto ás borboletas.
E foi voltando ao quarto, nua e vazia.Escancarou a janela,mas não abriu a cortina.
Aninhou-se nos braços dele,leve e adocicada.E adormeceu de mansinho,no ventre da boa emboscada.
A luz que vinha da sacada ia de encontro à nuca dela.Fazendo exteriorizar imperfeições da alma.Defeitos que,com tanto carinho,cultivara ao longo dos anos.E os traumas transtornantes de maliciosa euforia!
Abriu os olhos de gata ferida e moveu-se letárgica,na tentativa de reencontrar na própria pele cada palavra dita na noite anterior.Queimaduras explicitas de um passado muito recente.
Pequenos e fragmentados os instantes,pétalas de flor submersas na saliva.Delicados como uma pluma.Raras pérolas da vida,de beleza efêmera, flutuante e verdadeiramente vertiginosa.Despretensiosa.
Abraçou ao edredom com as unhas,com a força infecciosa que já não havia.Mordeu o lençol com paixão.Cheia de compaixão pela cama fria.
Atirado aos pés da cama,um homem bonito,dormindo pesado.Embriagado.Esfarelado de volúpia.E completamente desconhecido.
Sedentamente desfalecido,nessa aquarela surda e muda . Um homem dourado cintilando incansavelmente sob o miserável ventiladorzinho.
Um homem de cueca e meias rindo da dor da vulnerabilidade,enquanto adormecido de pura adoração.O espanto e o choque que a beleza causa.Que a beleza causa e cura.
Pensou em levantar e preparar-lhe um café . De todos os gestos,o mais invasivo,o mais obsceno!
Cogitou também a absoluta hipótese da negação:xispar com ele dali,aos berros e vassouradas,tão ofendida que estava,devorada de perplexidade!
Mas isso exigiria uma série de movimentos enérgicos,calafrios de raiva,tanta energia gasta presumidamente em vão.
Então abafou o soluço recém-aflorado e,passiva, atravessou a porta na ponta dos pés para não acordar a visita.
E tomou um banho gelado,seguido de chá e torradas,e foi secando ao vento a inércia dos cabelos – junto ás borboletas.
E foi voltando ao quarto, nua e vazia.Escancarou a janela,mas não abriu a cortina.
Aninhou-se nos braços dele,leve e adocicada.E adormeceu de mansinho,no ventre da boa emboscada.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Criei esse blog hoje,porque estou de saco cheio de postar em meu antigo flog-blog.Preciso escrever e lá não posto há tempos.Estou de saco cheio da antiga vida e quero exorcizar tudo numa caneca de leite transbordante de vinho.
Aliás.Vou utilizar isso, da caneca de leite transbordante de vinho, em algum conto apressado,mal escrito e mau-humorado.Mil rimas de amor e de rancor como se o conto fosse poesia.
Vou fazer o que tiver vontade,ao menos uma vez na vida?
Duvido.
A liberdade é pura utopia.Por mais aparentemente livre e independente que uma pessoa pareça,ela não passa de mero fantoche.Desprovida de tudo.Invadida e violada por todos,SEMPRE.
LIMITADA na superficie e na profundeza da INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER.
Aliás.Vou utilizar isso, da caneca de leite transbordante de vinho, em algum conto apressado,mal escrito e mau-humorado.Mil rimas de amor e de rancor como se o conto fosse poesia.
Vou fazer o que tiver vontade,ao menos uma vez na vida?
Duvido.
A liberdade é pura utopia.Por mais aparentemente livre e independente que uma pessoa pareça,ela não passa de mero fantoche.Desprovida de tudo.Invadida e violada por todos,SEMPRE.
LIMITADA na superficie e na profundeza da INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER.
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